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JORNAL ARTIS Nº 3 – PÁGINA 02


Essa é a última edição do Artis e 2009 e com ela encerramos essa primeira fase de nosso projeto que, como todos os projetos bem estruturados, será amplamente avaliado por nós para definirmos nossos próximos passos. Entraremos em recesso e voltaremos em março de 2010 com edição número quatro. Esperamos que até lá já exista um Conselho Municipal de Cultura e um Fundo de Cultura para que o poder público possa fazer a sua parte por nossa arte e nossos artistas. Artistas esses que acabamos conhecendo um pouco mais, graças a as palavras e imagens que emprestaram para o Artis. Dezenas de artistas ainda devem ocupar nossas páginas e receberem, pelo menos do Artis, o devido reconhecimento.

Então aos nossos apoiadores, amigos e parceiros fica nossa despedida e um até breve.

Equipe Jornal Artis



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Nada mais justo que, numa coluna intitulada “Parla!”, em uma publicação dedicada à cultura, ao debate, se fale sobre o elemento essencial do debate, o veículo mais presente nas manifestações da cultura humana: a palavra.
Na palavra está o êxito ou o fracasso de quase toda comunicação de nossa espécie; no entanto, não nos damos conta de quão formidável é a importância que as palavras têm na vida de cada um de nós. As palavras podem ser vilipendiadas, mal utilizadas, distorcidas e corrompidas, mas nunca ignoradas; nelas está a base de nossa capacidade de comunicação. Sem comunicação, não há transmissão de conhecimento; sem isto, não há avanço de qualquer espécie; sem este avanço, não pode haver a humanidade tal qual a conhecemos, pois não há troca entre pessoas nem evolução de qualquer tipo de cultura. É, portanto, a palavra que nos movimenta enquanto espécie inteligente, que dá corpo a nossos pensamentos, que nos propicia aprender e seguir adiante.
As palavras estão no cerne de toda ciência humana, seja para transmitir, ensinar, criticar, e até para punir. O mesmo se pode dizer sobre as artes: quase todas, do teatro grego à literatura moderna, do canto lírico ao cordel, têm na palavra seu alicerce. Mesmo artes que em princípio independeriam das palavras buscam, muitas vezes, nestas um complemento enriquecedor de sua manifestação – caso da dança, de Balanchine a Alvin Ailey, e das artes plásticas, de Brueghel a Basquiat.
Palavras nos fazem adoecer e nos curam, nos exortam a viver e nos induzem à morte. De bênçãos a maldições, as palavras estão presentes em nossas atividades mais corriqueiras e em nossos ritos de passagem mais marcantes. Um bebê adquire um novo status em nossa sociedade a partir do momento – ansiosamente aguardado e quase sempre celebrado – em que balbucia sua primeira palavra. As últimas palavras de um moribundo são lembradas, reverenciadas, até registradas para a posteridade. As palavras têm nuances masculinas ou femininas; algumas parecem que foram feitas para serem mordidas; outras parecem que existem para serem sussurradas, quase acariciadas. Estão presentes nas brigas e no sexo, nas brincadeiras e nos funerais, causam guerras e negociam a paz. Não há psicanálise sem palavras, não pode haver filosofia sem palavras. Até mesmo nossa visão das coisas que estão à nossa volta, a cosmovisão tão bem explicitada na língua alemã pela palavra Weltanschauung, é influenciada pelas palavras. Com maior ou menor relevância, o modo pelo qual pensamos o mundo, a maneira pela qual percebemos o cosmo tem a ver com a língua – ou línguas – que falamos.
Tudo isto dito, resta a constatação de que, mesmo depois de milênios de verdadeira dependência em relação às palavras, nossa espécie continua a maltratá-las – as últimas gerações teimam em considerá-las meros acessórios às imagens que os meios eletrônicos de comunicação no impingem.
Mas nem tudo vai mal: ainda temos a incrível metalinguagem dos quadrinhos e de um “Samba de Uma Nota Só”, a genial letra clipada de uma “Águas de Março”, a acidez cool de um Rubem Fonseca, a irretocabilidade das letras de um Nelson Cavaquinho, o patchwork de palavras de um Djavan. E também temos a poesia ... ah, a poesia!

Tony Saad
linguista